terça-feira, 22 de maio de 2007

Sei que não vou por aí...

Cântico Negro

"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou.

- Sei que não vou por aí!


José Régio






Achei maravilhoso... tem haver inclusive sobre o que escrevi ontem...



Muitos tentam nos convencer a seguir o caminho comum... Mas eu... vou por onde meus próprios passos me levarem... Não sei onde... talves não saiba como... mas sei dos princípios que tenho... me basta! Não vou por ai...







José Régio é o pseudônimo do poeta português José Maria dos Reis Pereira (1901-1969). Lincenciado em Letras em Coimbra. Romancista, dramaturgo, ensaísta, crítico e poeta. Escrevia sobre os conflitos entre Deus e o Homem, o espírito e a carne, o indivíduo e a sociedade, a consciência da frustração de todo o amor humano, o orgulhoso recurso à solidão, a problemática da sinceridade e do logro perante os outros e perante a si mesmos.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

"Realidade"

.



Daqui,
Vejo a fria realidade que toma conta
E que tenta a cada dia me sugar
Para viver no mundo dos sentimentos superficiais,
Conceitos fáceis, coisas simples,
Que fazem com que a vida perca o brilho e
Importância que realmente tem

Feliz daquele que consegue viver na beleza da poesia.




.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Eu sei mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostumaa acender cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã
sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduiche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e
ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso
de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias de água potável.
Agente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.

Se a praia está contaminada a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos,para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que gasta de tanto se acostumar, e se perde de si mesma.


Clarice Lispector























Como diria um amigo meu... "Isso foi um soco na boca do estômago!" (que violência...)
Dica de leitura de muitos amigos(as)... a todos!




Até

segunda-feira, 14 de maio de 2007

O que diferencia, a LOUCURA da GENIALIDADE???

"O que diferencia a Loucura da Genialidade???" Casa de Orates


Se você vive desenvolvendo e adiquirindo aquilo que é necessário para sua sobrevivência, de forma simples, em harmonia com você e com sua essência, não se encaixa no perfil capitalista implantado na mente das pessoas de hoje, e se não estás de acordo com o que dizem ser correto, és considerado um "Zé Ninguém", ou ainda pior, um louco, contrário daqueles que seguem a maré, que são os homens corretos, os nossos gênios.
Vivemos num mundo cada vez mais mesquinho, friu e extremamente calculista. Sua capacidade e competência é medida pelo lucro que desenvolves. Seus princípios, valores, sentimentos, criatividade nao são mais considerados...

O que diferencia eu de você?
O que diferencia um hippie de um empresário?
O que diferencia um simples poeta a um jornalista da revista VEJA?
O que diferencia o "Latino" de grandes compositores ainda anônimos?
O que diferencia Cuba dos EUA?
O que diferencia a Loucura da Genialidade?



O que diferencia a Loucura da Genialidade?
É a produção!



Pensem!

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Operários da Vida e do Mundo!

Lendo um livro muito bom, Máquina Capitalista de Pedrinho Guareschi, do qual já me tornei fã, pois ele acredita num mundo melhor, e que nós somos capazes de fazer as mudanças necessárias para esta melhora, num trecho do livro, ele cita uma poesia de Vinicius de Moraes, O Operário em Construção, que descreve a realidade de um operário, sua visão do mundo, sua ingênua consciência, e também quando ele consegue compreender a verdade de tudo, de quem realmente é, o que lhe pertence, o que pode fazer para melhorar o que já esta ai, uma poesia linda e de uma realidade surpreendente para quem consegue compreende-la, ai que esta, eu costumo dizer que estou em uma eterna construção e tenho consciência disso, bom seria se todos tivessem, (esse poema veio para reafirma tudo aquilo que eu pensava) e neste caso me considero uma Operaria da Vida, estamos aqui para aprender, alcançar objetivos, mas temos que saber viver, saber ver o bem, fazer o bem, ter a consciência de que podemos fazer uma realidade muito mais bonita que essa que costumam nos “enfiar goela abaixo”, nas escolas, igrejas, na sociedade em geral, nos fazendo crer ser submissos, ou pertencer a uma “classe”, nos fazendo acreditar não sermos capazes ou coisas do gênero. Temos todo poder sobre nos mesmos, basta saber usa-lo e em cada nova situação, um novo aprendizado e mais um “tijolinho” na construção do nosso próprio eu e do mundo.



Operário em Construção (Vinícius de Moraes)


E o Diabo, levando-o a um alto monte,
mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo.
E disse-lhe o Diabo:
– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória,
porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
– Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
– Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
– "Convençam-no" do contrário –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
– Mentira! – disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.



Tenham todos uma otima semana...
E sucesso em suas construções...


Até!